Primeira família cascavelense
se deparou com índios ao chegar
Alceu A. Sperança*
Em 1921, com a
transferência de terras pertencentes à Companhia Estrada de Ferro São Paulo–Rio
Grande do Sul à sua sucessora Braviaco, esta se comprometeu a atrair colonos
para áreas despovoadas no Oeste, cujo aproveitamento se limitava à coleta de
erva-mate e contrabando de madeira.
Entre Catanduvas e
Foz do Iguaçu havia só um lugar parecido com uma vila: o Depósito Central da
companhia ervateira Domingo Barthe, atualmente Santa Tereza do Oeste. Até o pouso
ervateiro Cascavel Velho estava abandonado de longo tempo.
A Braviaco vendeu a
Antônio José Elias, o Antônio Diogo, patriarca da primeira família a se fixar
na região, áreas ao redor da Encruzilhada dos Gomes, local onde em 1930 terá
início a futura cidade de Cascavel.
Nem os viajantes em
trânsito nem essa primeira família tiveram interesse em se fixar naquele
cruzamento, descrito como um brejo cercado por intenso barulho de sapos e feras
rondando.
Elias, na primavera
de 1922, ainda não veio. Seu cunhado, Ernesto de Oliveira Schiels, foi quem partiu
da vila de Cantagalo em fins de agosto com a família, parentes, amigos e uma
carroça carregada de mudanças.
A pequena caravana
veio formada por oito pessoas, dez porcos, quatro cavalos e meia dúzia de
vacas.
Ninguém deu valor à
Encruzilhada
Vieram Ernesto, a
esposa Laurentina, dois filhos ainda de colo – Joaquim maiorzinho e Maria
Francisca –, um irmão de Ernesto, acompanhado pela esposa, e “dois camaradas
contratados para ajudar nos serviços”, um deles João Maria Diogo, irmão de
Antônio José Elias, que no dia da chegada completou 19 anos.
Era em 8 de
setembro de 1922.
Mesmo penosa, a
marcha da carroça carregada teve a facilidade da estrada em melhores condições,
com trânsito antes somente possível aos cargueiros. Até 1920, nem as carroças
conseguiam passar por conta das más condições da antiga Estrada Estratégica.
A área da
Encruzilhada pertencia à família Elias/Schiels, portanto, mas ela não se
estabeleceu nesse local ao chegar, por não ser conveniente.
A primeira
lembrança que Laurentina gravou da passagem pela Encruzilhada nesse dia é que
lá havia “acampamentos de índios paraguaios”, mensus transportando erva-mate
para o Rio Paraná.
Os Schiels escolheram
para moradia o melhor local da área adquirida pelo patriarca Antônio José
Elias, o Antônio Diogo: o antigo pouso ervateiro desativado junto ao Rio
Cascavel – o Cascavel Velho.
Só dois ranchos de
sapê
A propriedade,
entre 1922 e 1924, tinha ranchos muito humildes, de sapê. Eram dois, para
moradia e paiol. A família ocupou os dois lados do rio – os Schiels de um lado
e os Elias do outro.
Foi em novembro de
1923 que José Silvério de Silvério travou seu primeiro contato com Elias, que lhe
cedeu o banhado da Encruzilhada dos Gomes. Os parentes de Silvério começaram a
plantar milho e criar animais por ali, ainda sem fixar moradia.
Era o safrismo: a
combinação entre a produção de milho e a criação de suínos. O regime de moradia
não era fixo, baseado em acampamentos, de acordo ainda com as regras impostas
aos mensus na coleta de erva-mate.
Chega 1924. Para a
família Elias-Schiels, no Cascavel Velho, as notícias da “guerra”, como o
movimento foi chamado pelos sertanejos, eram de que os governistas venceriam.
O Regimento de
Cavalaria Provisório, composto por uma força mista de Exército, Polícia Militar
e voluntários, seguindo para Guaíra, passou pelo Depósito Central Barthe,
deslocando-se até a Picada do Benjamim (Céu Azul), de onde seguiu ao Rio
Paraná.
Antônio José Elias
recebeu a notícia de que os revolucionários estavam chegando, mas se recusou a
deixar o Cascavel Velho. Informado de que o Governo Federal tinha tomado
precauções para sustar o avanço revolucionário e certo da iminente vitória dos
governistas, Elias não quis abandonar a lavoura nem os animais de criação.
O misterioso
jagunço
No início de agosto
de 1924, porém, as forças leais ao governo foram derrotadas no Rio Paraná e
Elias logo foi surpreendido pela coluna revolucionária que veio acampar justamente
em sua propriedade, pela presença de víveres.
Como Antônio Elias
ajudara os governistas em sua passagem, a família passou muito medo quando quem
apareceu foram os revolucionários e não os militares do governo para lhes dar
proteção.
“Um dia chegou um
revoltoso em nossos ranchos. Rondava a gente e usava um lenço vermelho no
pescoço. Depois vieram outros jagunços de sua turma. Tivemos que nos trancar
dentro de nossos ranchos, vendo pelas frestas eles arrancarem o nosso feijão.
Nossa sorte foi ter um pouco de alimento estocado em nossas casas, pois eles
comeram todo o feijão, mataram porcos e até vacas para se alimentarem. Depois
eles souberam que os inimigos, legalistas, iriam chegar no acampamento deles e
fugiram temerosos” (Laurentina Lopes Schiels, entrevista ao jornal O Paraná,
27/12/1990, https://bit.ly/3PBubLJ).
“Só mesmo o
primeiro jagunço permaneceu no local. Fez amizade com a gente e viveu mais dois
anos em nosso quintal. Durante estes anos outros revoltosos e legalistas
acamparam ali. Quando uma gangue estava para chegar, a outra partia”.
O “primeiro
jagunço” era Eduardo Agostini, um dos pioneiros da formação da cidade de Santa
Tereza.
A cidade de
Cascavel, por sua vez, começou a se formar só em março de 1930, em torno do
Marco Zero, assinalado pelo monumento da Praça Getúlio Vargas. Laurentina era
irmã de Aníbal Lopes, agente dos Correios ligado a várias famílias pioneiras da
região.
Para mais
informações sobre Cascavel:
https://livrainoscascavel.blogspot.com/p/historia-de-cascavel.html
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Imagem:
Laurentina Lopes
Schiels, fotografada em 1990 por Jackson Piaia/O Paraná. Mapa de 1922, quando
ela chegou: o único povoado entre Catanduvas e Foz do Iguaçu era a Central
Barthe (atual Santa Tereza do Oeste)
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